No comboio, enquanto lia uma das notícias do Expresso sobre a violência aos professores e funcionários de uma escola de Chelas, recordei-me dos meus tempos de estágio.
O meu último ano de estágio foi em 1999, precisamente em Chelas, numa antiga escola agora já demolida que ficava ali mesmo ao lado da feira do Relógio. Na altura, confesso que não me apercebi o que me tinha calhado na rifa, mas depois de alguns dias, compreendi que não ia ser um ano fácil - teria uma turma de 12 crianças do 1º ano, com muitos casos especiais, muitos problemas.
Ser estagiária não é simples, há todo um processo de adaptação e de integração, há que ganhar a confiança dos alunos que nunca nos olham como professores e há também que criar uma dinâmica de trabalho regular e satisfatória. Nessa turma, nunca o consegui. As aulas preparadas ficavam sempre a meio, a indisciplina era constante e apesar do nosso esforço, ali, na faculdade ou mesmo através de conversas informais, era complicado encontrar estratégias que conseguissem minimizar a indisciplina e o mau comportamento dos alunos.
[Os planos de estudo dos cursos de professores de 1º ciclo do ensino politécnico continuam, desde há 10 anos atrás, a ter graves falhas a nível de cadeiras que tratem da indisciplina e da avaliação das aprendizagens dos alunos, mas isso é tema para outro post]
Eu, com 21 anos na altura, sofri com essa minha limitação, essa impossibilidade em fazer melhor perante um cenário daqueles. Muitas vezes, acabava por chorar durante todo o caminho que me levava a casa depois de mais um dia de estágio, tal era a revolta que sentia. E foi por isso que no último dia de curso, disse para mim própria que se consegui aguentar aquilo, aguentava qualquer outra coisa. Agora, já não tenho tanta certeza assim.
A notícia do Expresso retrata a angústia que os professores e as funcionários sentem naquela escola. Refere a vontade em mudar de local de trabalho, a preocupação constante que sentem em cada dia que vão dar aulas.
Um ralhete, hoje em dia, é motivo para que pais e alunos se revoltem contra os professores, é motivo para ameaças, para agressões gratuitas. E é com isto que me assusto. Assusto-me e fico cada vez mais triste com estes cenários que vamos tendo um bocadinho por todo o país.
Interrogo-me muitas vezes como estaremos daqui a 10 ou 20 anos. Porque, verdade seja dita, isto é um problema social e o cerne da questão está aí, na sociedade, na permissividade existente para com as crianças, na pouca autonomia que lhes é dada, na exagerada protecção que em vez de os ajudar, só os prejudica. Eu simplesmente pergunto, o que querem afinal estes pais das suas crianças? E já agora, o que querem dos professores?
15 comentários:
Excelentes perguntas.
P.
Infelizmente, muitos pais esquecem-se que a educação começa em casa.
Continuando assim vamos ter adultos mimados que não sabem ouvir um não, e as coisas vão ficar feias.
Sofia: isso são questões que eu coloco muitas das vezes, e como tu, tenho amigos que são professores e que me respondem exactamente da mesma maneira, isto é um problema de sociedade e educação. Os pais hoje em dia, por falta de tempo/educação, delegam a educação das suas crias para os professores, não lhes incutindo regras elementares que deveriam ser dadas em casa. Depois como se sentem uns pais ausentes compensam as crianças com todo o tipo de mimos/bugigangas. Perante este cenário a criança sente-se um rei, todo o tipo de exigência que faça é-lhe facultado sem o mínimo de esforço possível, depois não aceita um “não” como resposta e dai parte para a violência. Os pais, geralmente, como acham que tem um príncipe em casa que não pode ser contrariado, porque coitado… é uma criança, parte para as ameaças para quem tenta pôr um bocadinho de ordem à besta que tem casa… dai eu me questionar quem será mais besta: se os pais se as crianças? Como muito bem disse a “Coisinhas Caseiras”, estas crianças vão se transformar em adultos mimados amanhã, que nada sabem (porque o ensino está demasiado facilitado) e acham que toda e qualquer pessoa tem de lhe prestar vassalagem. Vão ser adultos amanhã e (o que realmente mais me assusta) vão ser governantes… um dia vão mandar em todos. Pensem nas consequências que vêem dai.
[e tal como tu também li essa noticia no Expresso e fiquei chocado…]
Olá!
Este é um tema que realmente me interessa, apesar de o achar muito complexo.
Compreendo a posição dos professores e compreendo a posição dos pais.
Toda a sociedade neste momento encontra-se perdida num mar de estímulos exteriores, sem perceber o que É, o que quer e como fazer seja o que for.
Fiz um curso de COACHING para Pais e Professores e aconselho todas as pessoas a fazerem o mesmo.
Conhecer a natureza do Ser Humano e das interacções pessoais, pode dar aos educadores outra dimensão de compreensão.
Nada do que nos acontece é por acaso... e as crianças estão aqui para nos ajudar a crescer e a conhecer a nossa essência de uma forma fantástica.
Tanto para Pais como para Professores elas são ESPELHOS.
Lidar com espelhos, do bom e do MAU em nós, nem sempre é fácil e não aprendemos a fazê-lo.
É verdade que as mudanças precisam ser feitas... e a meu ver, são precisas mudanças drásticas, mas a verdade, é que cada um, no seu mundo pessoal, pode começar a estabelecer mudanças.
De que adianta os professores reclamarem dos pais?
De que adianta os pais reclamarem dos professores?
De que adianta todos reclamarem dos alunos?
E se cada um, por si só, começar a alterar as suas próprias perspectivas limitadoras da sua própria vida, do mundo e da educação?
Cada pessoa faz a diferença.
Vivemos num país com a "crítica" instituída, depende de cada um de nós, dissolvê-la dentro de si, e começar a perceber que as ilusões do mundo podem começar a desaparecer quando fizermos algo para construir relacionamentos felizes (e não culpar estes e aqueles do que se passa neste momento).
Desculpa o desabafo... mas achei importante.
Beijinhos
Angela Maria: comentario fantastico, mas preciso de saber uma coisa: quando uma auxiliar estiver a ser ameaçada de morte e ver os espelhos do carro a serem arrebentados, o que ela deve fazer?
[já agora...]
Também dei aulas durante alguns meses para eeses lados - Secundária Afonso Domingues. tinha uma turma de 8º ano onde dava aulas para o boneco. Ainda bem que estive lá pouco tempo.
VM isso é um caso extremo e óbvio que as devidas providências têm que ser tomadas.
Isso só continua a acontecer porque as pessoas continuam a manter-se focadas nos problemas e não nas soluções.
Quando acontece, resolve-se!
Há sempre uma solução para tudo!
Quando não acontece, e estamos em hipóteses, mais vale optar por hipóteses que construam e tentem encontrar soluções!!
As coisas não vão mudar de um dia para o outro... mas tem que começar por algum lado.
E se todos resolvessem pensar: "Ah isto acontece, isto acontece, então não vale a pena eu fazer nada."?
E se aqueles que observam o que acontece pensassem: "Ok, isto já aconteceu (ou está a acontecer), o que posso fazer para que isto tenha um resultado positivo para todos?".
E se os professores em vez de pensarem e dizerem que o problema está em casa (não estou a dizer que está, ou não está) resolvessem: "Ok, eu não posso fazer nada na casa destes miúdos, o que posso fazer por eles aqui, que até possa ser positivo e construtivo no seu lar?".
Nós temos todas as respostas, andamos é a fazer as perguntas erradas!
Que o governo também faz o mesmo! Se calhar, sim, talvez, não... e NÓS?
O que fazemos nós?
Acho que a primeira coisa a fazer, independentemente do que acontece, é tomar responsabilidade pelas perguntas que colocamos a nós mesmos, ao mundo e pelas respostas que oferecemos a todos.
Quando as coisas se complicarem, há sempre uma solução.
E quanto melhores forem as perguntas, mais inteligentes as respostas, pois os recursos são infindáveis e fantásticos, de todos: professores, pais, alunos e auxiliares.
:)
Desculpa Ângela mas acho que isto não é uma questão de estarmos focados nos problemas ou nas soluções. Como professora, ja tive casos muitos sérios de alunos agressivos nas turmas e apesar de todos os esforços conjuntos entre professores, auxiliares, conselho executivo, nem sempre se encontram essas soluções para os problemas. Porque simplesmente o aluno não quer colaborar. Ninguém aqui está a dizer que a responsabilidade é destes ou daqueles: tudo depende das situações, mas quando chema alunos de 6 anos às escolas, agressivos, mal-educados e sem o mínimo de respeito por qualquer adulto, não me venham dizer que o problema surgiu ali, na escola.
A maior parte dos professores age e actua em conformidade com as situações que vão ocorrendo, mas quando se trata de integridade física, cada um tem de pensar em si e sim, sair da escola, se não se sente lá bem.
Apesar de nunca ter temido pela minha integridade física, sei bem do que falas, de um modo geral.
Para a tua pergunta (sobre como estaremos daqui a 10 ou 20 anos) também já eu procurei muitas vezes as respostas:
*as crianças que vêm de meios desfavorecidos muitas vezes não têm limites pois os responsáveis pela sua educação não estão preparadas para lhos impôr;
*do outro lado, do dos meninos de meios mais favorecidos, os mesmos limites não são impostos ou porque a criancinha é o rei da casa e manda e desmanda a seu bel prazer, ou então porque ninguém está para se chatear a contrariar birras.
Felizmente, no meio de tudo isto, ainda há crianças ditas normais e que têm uma educação digna.
:)
Ângela Maria: Obrigado pela visita, mas continuo a pensar que vês este problema demasiado cor-de-rosa… concordo contigo quando escreves que existe sempre uma solução, concordo contigo quando escreves que se tem de começar por algum lado, onde eu já não concordo contigo é quando passas a bola das responsabilidade para o lados dos professores, se um aluno não recebe nada de positivo em casa, deverá um professor andar a moer-se a tentar extrair algo de positivo a um aluno que pura e simplesmente ignora-te, e se for preciso ainda te agride?
Peço desculpa Ângela, mas de repente parece que estou a imaginar uma rábula dos “Gatos Fedorentos”, onde a professora é agredida mas exclama “ai aluno, esse é o teu lado mau, bate-me se é essa a tua vontade, que eu amanhã extraio qualquer coisa de positivo em ti, espanca-me vá… deixa-me toda negra… anda…”
=)
Eu não estou a passar a responsabilidade para o lado dos professores!
Estou apenas a dizer que cada um - pais, professores, auxiliares e ALUNOS - deviam tomar responsabilidade pelas suas atitudes, PENSAMENTOS e acções!
Não somos ensinados a fazê-lo! Eu compreendo.
E o que eu digo é que reclamar não adianta nada.
E quando falo com os pais, digo exactamente a mesma coisa.
Porque os professores passam a responsabilidade para os pais, os pais para os professores e os alunos para todos.
Ensinar as crianças desde pequenas a serem responsáveis por si e pelo seu mundo, com pais que fazem o mesmo e professores que também o fazem.
Isto seria o ideal!
Não é isto que vemos!
Podemos começar começar por algum lado, como pais, professores, educadores, amigos, auxiliares...
O que falta nas escolas é aprendizagem sobre Inteligência Emocional.
Nas escolas e no mundo em geral! :)
Antigamente todos tinham respeito pelos mais velhos. Hoje em dia nem as criancinhas pequenas têm respeito pelos mais velhos.
Tenho uma amiga que tem um filho pequeno que ele já "manda" nela. Ela é de uma classe social média e não tem necessidades monetárias, simplesmente quando ele faz 1 birra não tem paciência de o aturar e então deixa-o fazer tudo o que ele quer.
Infelizmente crianças assim normalmente tornam-se adultos revoltados, arrogantes, mal educados, mal formados, e muitas vezes depressivos, toxicodependentes, etc.
Gostem ou não a culpa é da inteira responsabilidade dos pais que não souberam impôr respeito, educação, valores, etc.
Ah, esqueci de dizer uma coisa importante que disseram no 1º dia que a minha filha entrou na cheche e que está correctíssimo: "A escola ensina, os pais educam"
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