quinta-feira, 19 de março de 2009

Desculpem lá, mas o meu pai é que é o melhor pai do mundo

O meu pai tem uns olhos do azul mais azul que possam imaginar e um sorriso aberto e franco. Esteve quase para ser padre - aos 11 anos desistiu do seminário porque diz ele que aquilo já não lhe dizia nada. No entanto, acrescenta que foi a escola onde teve os melhores professores, o local que o fez crescer mais depressa. Mais tarde, muito mais tarde, esteve na Guerra Colonial e as memórias que me conta desses tempos fazem-me ficar sempre com um aperto no coração porque sei que sofreu horrores mas resistiu. É forte, o meu pai.

Exigente, idealista, justo, lutador, coerente nos seus princípios e na forma de estar na vida, conseguiu que a minha infância fosse rica, plena de simbolismos e estímulos.
Ensinou-me a ouvir música todos os domingos de manhã - Abba, Carlos Paredes, Zeca Afonso, Jacques Brel, Fausto, José Mário Branco, Caetano Veloso entre outros - mesmo quando, aos 3/4 anos eu lhe rasgava as capas dos LPs [a minha curiosidade era mais forte do que a possibilidade de de levar um ralhete ou castigo]. Deixava-me livros na mesa de cabeceira, sempre com uma dedicatória, e levava-me à escola, embora chegasse quase sempre atrasada. De vez em quando comprava-me uma bola de berlim, Pez ou Sugus e quando eu trazia um Satisfaz num teste da escola, não ficava nada satisfeito porque me dizia que eu era capaz de muito mais. Esteve sempre presente nas reuniões de pais e eu tinha orgulho disso.
Com ele vi pela primeira vez o filme Kramer contra Kramer e a partir desse dia Meryl Streep tornou-se a minha actriz favorita. Trazia-me as revistas do Tintim que eu lia para depois destruir fazendo das suas folhas, patins para escorregar na alcatifa da sala [ainda me condeno por tamanha barbaridade]. Ensinou-me a fotografar com uma Zenith, pesada e que me fazia doer os braços e revelou-me que o segredo da fotografia era um: a luz.
Desabafava comigo coisas que se calhar eu não devia ter ouvido com aquela idade, mas penso que não me fez mal. Sobrevivi e estou mentalmente saudável, acho. ;) Chorou na minha bênção de fitas e escreveu-me A carta. A mais bonita de todas. A ele lhe confessei as minhas angústias aos 18 anos e a ele lhe confesso algumas angústias de agora.
Sempre presente, de mão ou braço dado, ao perto ou ao longe, tenho a certeza que fez os possíveis e impossíveis para me dar a melhor educação. E apesar dos castigos, sermões e discussões, ficou sempre tudo bem.
O meu pai chama-se José e para mim, claro, é o melhor pai do mundo - o meu pai Zé.

13 comentários:

Castiel disse...

... chorei a ler este post, tão lindo, tão sentido...
Tb adoro o meu pai, derreto-me só de pensar nele...

Cátia Oliveira disse...

Aos melhores pais do mundo!
;)

Sofia disse...

Foi dos posts mais bonitos que escreveste até hoje :)

stiletto disse...

Este post emocionou-me muito principalmente porque o meu pai não me acompanhou em todos os momentosimportantes da vida. Perdi o meu pai aos 14 anos. A benção das fitas foi um dos momentos em que senti mais a falta dele. Já passaram 20 anos desde que ele se foi mas continua-me a fazer tanta falta como quando eu tinha 14 anos. Post maravilhoso.

aespumadosdias disse...

Bonito post. Mostra-lhe!

Rafael Santos disse...

Emocionante este teu post, que espelha uma vez mais o teu carácter e a tua humildade. Aproveito para te endereçar os parabéns não só pela escrita mas também pelo pai que tens.

Também eu dou muito valor ao meu pai, também ele fez tudo por mim. Crio que é assim com grande parte das pessoas. Uns mais outros menos.

Mas com este post provaste uma vez mais o transparente que há em ti, com uma sensibilidade incrível que cativa qualquer um que aqui caia de para-quedas...

Bjs e continuação de bons posts.

Paulo disse...

parabéns ao sr José!Ou não teriamos Dias assim, com fotografias lindíssimas e textos que nos tocam e fazem pensar.
parabéns ao pai Zé :)

Filipa disse...

Muito bonito este texto.

Beijinhos

Lidia Guedes disse...

A única coisa que existe em comum entre o teu pai e o meu é o nome. Quem me dera que o meu pai fosse como o teu. Tens muita sorte!

100 segredos disse...

Lindo.

Parabéns pai Zé.

OBS: O meu pai também é Zé.:)

IPQ disse...

Que bonito post!
Aos nossos pais. Presentes ou "ausentes", porque são mesmo os melhores do mundo

Trintão disse...

Um belo exemplo dum bom pai, duma boa filha que reconhece o mérito do pai, e um belo post muito bem escrito.

Zé Carlos disse...

Há já algum tempo que venho aqui ler-te ou passo pelo "lembra-me", já não sei como cá cheguei, mas passei a voltar cada vez mais com maior frequência, até que se tornou rotina, 1º pelas fotografias e depois porque descobri os teus textos. São simples, cheios de coisas comuns que os tornam tão "de todos" e ao mesmo tempo são apenas teus.
Adorei este texto sobre o teu pai, fez-me pensar em tantas coisas comuns na relação que tenho com o meu, as conversas, as musicas ao domingo de manha, a fotografia... também descobri as particularidades da luz numa Zenith, numa TTL, que guardo como um dos maiores tesouros e que de vez em quando ainda a levo de passeio.

Gostei muito deste teu texto, dai ter comentado pela 1ª vez. Um bom fim de semana.