Tão habituados ao corropio do dia-a-dia, nem sempre nos lembramos do abandono a que está sujeito o interior do nosso país. Nem sempre nos lembramos da solidão que sentem aquelas pessoas que não têm cuidados de saúde ali, ao virar da esquina, e precisam de se deslocar quilómetros para poder comprar muitos dos artigos que, para nós, são básicos.
Na aldeia dos meus pais a água canalizada só chegou em 2003. Incrível, não é? Havia furos e poços com ligação às habitaçõese era assim que as pessoas se remediavam para terem o mínimo de condições de higiene. A electricidade chegou em 1972 e há uns bons anos atrás os meus avós ainda iam ao único café da aldeia para telefonar aos meus pais. Era o único café com o único telefone das redondezas. Escreviam-se cartas, muitas cartas, sobretudo.
Ali a escola primária fechou há cerca de cinco anos. Quatro crianças não era motivo suficiente para manter uma escola aberta e colocar um professor a sete quilómetros da sede de concelho era algo impensável. A escola fechou e claro, os cuidados foram tantos que os computadores foram roubados pouco tempo depois, pela calada da noite. Desde então que o edifício está abandonado e não há ninguém que se mexa e faça daquele espaço um local para outro tipo de actividades. Faz-me pena.
Esta semana li na Visão um artigo que me deixou algo incomodada, talvez por retratar uma situação que também eu conheço noutro ponto do país, tal como já referi. Trata-se de um artigo sobre o concelho de Arraiolos e o abandono a que este está sujeito.
"É preciso muita imaginação para continuar a viver aqui" diz um dos habitantes, outro refere ainda que "Só criam condições para as pessoas se irem embora" e para rematar outra habitante diz ainda que "só fizeram uma colectividade para velhos e uma casa mortuária. Não se pensou na vida". A juntar a tudo isto há ainda o desprezo que sentiram estas pessoas quando o nosso primeiro-ministro levou para a Venezuela, em visita oficial, tapetes de Arraiolos, supostamente certificados, mas feitos em Lisboa. Em algumas freguesias as escola vao fechar, o médico só lá vai uma vez por semana e o autocarro só existe em tempo de aulas.
Tal como este concelho, há outros por este país fora que estão à beira da desertificação e do abandono. Não se pensam nas pessoas que lá vivem, não se criam condições minimamente razoáveis para uma qualidade de vida aceitável.
Pergunto eu: será que não existem políticas municipais alternativas que possam levantar estes concelhos? E mais, será que há mesmo vontade que tal aconteça? E depois criam-se condomínios privados, luxuosos, com todas as condições, aqui a cinquenta ou sessenta quilómetros de Lisboa e no entanto estas pessoas estão assim, esquecidas... Vergonhoso, diria.