domingo, 11 de julho de 2010

"De tanto esvaziar o interior, qualquer dia caímos todos no mar"

Tão habituados ao corropio do dia-a-dia, nem sempre nos lembramos do abandono a que está sujeito o interior do nosso país. Nem sempre nos lembramos da solidão que sentem aquelas pessoas que não têm cuidados de saúde ali, ao virar da esquina, e  precisam de se deslocar quilómetros para poder comprar muitos dos artigos que, para nós, são básicos.

Na aldeia dos meus pais a água canalizada só chegou em 2003. Incrível, não é? Havia furos e poços com ligação às habitaçõese era assim que as pessoas se remediavam para terem o mínimo de condições de higiene. A electricidade chegou em 1972 e há uns bons anos atrás os meus avós ainda iam ao único café da aldeia para telefonar aos meus pais. Era o único café com o único telefone das redondezas.  Escreviam-se cartas, muitas cartas, sobretudo.
Ali a escola primária fechou há cerca de cinco anos. Quatro crianças não era motivo suficiente para manter uma escola aberta e colocar um professor a sete quilómetros da sede de concelho era algo impensável. A escola fechou e claro, os cuidados foram tantos que os computadores foram roubados pouco tempo depois,  pela calada da noite. Desde então que o edifício está abandonado e não há ninguém que se mexa e faça daquele espaço um local para outro tipo de actividades. Faz-me pena.

Esta semana li na Visão um artigo que me deixou algo incomodada, talvez por retratar uma situação que também eu conheço noutro ponto do país, tal como já referi. Trata-se de um artigo sobre o concelho de Arraiolos e o abandono a que este está sujeito.
"É preciso muita imaginação  para continuar a viver aqui" diz um dos habitantes, outro refere ainda que "Só criam condições para as pessoas se irem embora" e para rematar outra habitante diz ainda que "só fizeram uma colectividade para velhos e uma casa mortuária. Não se pensou na vida". A juntar a tudo isto há ainda o desprezo que sentiram estas pessoas quando o nosso primeiro-ministro levou para a Venezuela, em visita oficial, tapetes de Arraiolos, supostamente certificados, mas feitos em Lisboa. Em algumas freguesias as escola vao fechar, o médico só lá vai uma vez por semana e o autocarro só existe em tempo de aulas.
Tal como este concelho, há outros por este país fora que estão à beira da  desertificação e do abandono. Não se pensam nas pessoas que lá vivem, não se criam condições minimamente razoáveis para uma qualidade de vida aceitável.
Pergunto eu: será que não existem políticas municipais alternativas que possam  levantar estes concelhos? E mais, será que há mesmo vontade que tal aconteça? E depois criam-se condomínios privados, luxuosos, com todas as condições, aqui a cinquenta ou sessenta quilómetros de Lisboa e no entanto estas pessoas estão assim, esquecidas... Vergonhoso, diria.

9 comentários:

Anónimo disse...

É a realidade de um interior que é cada vez mais esquecido, e pior ainda que se esquece de quem lá vive, por vezes com condições tão mínimas. Com um país com tanto para dar é como a Sofia diz, vergonhoso. beijinho*

Anónimo disse...

Gostei deste post. Da forma realista como expuseste este assunto. Hoje em dia é assim, havendo também aldeias que, simplesmente, deixam de existir.
Mas acredito que daqui a 20 anos o cenário seja melhor, isto porque eu, assim como muitos milhares de pessoas, acredito eu, pretendo reformar-me no campo. Acho que dentro de muitos Lisboetas (refiro-me sobretudo àqueles cujos passados foram marcados pelo êxodo rural) existe a vontade de regressar à terra Natal. Espero que seja assim, porque o interior precisa de ser rejuvenescido, sem dúvida alguma.

drcursor disse...

Ler o teu artigo, principalmente na semana em que soube que a minha escola primária vai sofrer também esse triste e frio destino, fez-me ficar ainda mais enervado com tudo isto : com a suposta crise, com a suposta conjectura - que nao passam de raio de desculpas para destruir o que com tanto esforço foi construido por tantos.
Uffffff

ana disse...

Sim, é revoltante. E há dezenas de concelhos e freguesias que estão à beira deste destino.

CAP CRÉUS disse...

Mete nojo sim!
Enquanto não votarmos todos em branco...
Ninguém se lembra dos velhotes, das aldeias, da agricultura e por aí fora!
De lamentar!

Elsa disse...

Um exemplo que dá que pensar:
Hoje, por causa da final do Mundial, estive a ler e vi que os Países Baixos têm metade do nosso território mas têm 16 milhões de habitantes.
Isto diz muita coisa acerca da mentalidade dos povos.
E é por esta e por outras que, por mais defeitos que a regionalização tenha, ainda é o que nos vai salvar.

drcursor disse...

@CAP CREUS :
O problema é haver demasiada gente a votar em branco, a nao votar, ou a votar naqueles que nos fazem a folha...

Há que votar em alternativas. Em projectos diferentes.

nuno medon disse...

olá! Infelizmente, o Governo ou as Cãmaras Municipais, esquecem-se das terras mais isoladas. A culpa não é só do Governo, penso eu. Eu tenho lido em Jornais e revistas e ouvido notícias na televisão, que existem cidades ou Vilas Portuguesas que lutam, para que a sua população não venha para o Porto ou para Lisboa e para isso, até dão dinheiro aos jovens que têm filhos ou então ajudam-nos quanto á Habitação. O Governo podia poupar em muita coisa e esse dinheiro dava para ajudar muitas aldeias e terras de Portugal. A minha Mãe e a colega dela, travaram uma luta para conseguirem remodelar a escola e pô-la como nova. A escola da Minha Mãe era numa aldeira. Como a Câmara Municipal não se mexia nem a junta, a minha Mãe recorreu a um senhor muito rico, que por sinal nasceu na aldeia e ajudava aquela aldeia. O Senhor disse que pagava tudo mas exigiu contrapartidas da Cãmara ou de uma Junta " sim senhor, eu pago tudo, compro materiais para se remodelar a escola mas os senhores ( Cãmara ou junta ) têm que ceder os trolhas para isto ir avante ) e assim foi. infelizmente, o senhor tinha Cancro e morreu, mas não, sem antes a escolha lhe fazer uma homenagem. beijos e boa semana

Unknown disse...

É horrivel, de facto. Moro numa pequena aldeia que embora a 30 km de Lisboa, sinto imenso esse isolamento, quanto mais as pessoas no interior... Não se consegue viver assim!