Há certas coisas na vida que vão perdendo o sentido. Dizem que há momentos para tudo, como se houvesse um limite, um prazo, um horário pré-estabelecido e alguém estivesse do outro lado do guichet à espera da nossa senha. Em trinta e três anos de vida não perdi muitas senhas e sei que passei à frente de muita gente nas longas filas de espera, tendo repetido a proeza algumas vezes. Mas sinceramente, isso não interessa. Depois há quem ache que estamos com a senha há demasiado tempo na mão. Outras pessoas vão chegando e nós ficamos para trás, sem saber ao certo porquê ou até mesmo porque estamos ali. A maior parte das vezes tenho a impressão que são os outros que nos colocam nestas filas de espera, que se chegam até nós com perguntas, comentários, palmadinhas no ombro e olhares de misericórdia. Depois afastam-se, como se tivéssemos pedido alguma coisa, como se precisássemos de palavras de alento quando, na verdade, nem sabemos bem porque temos de ser igual a tantos outros. Mas a sociedade acha que sim, e como bons cidadãos, vamos acenando com a cabeça quando, interiormente, começamos a pensar de outra forma.
A ordem natural das coisas pode ser muito complexa, pode ter altos e baixos, pode desencadear aversões e até medos infundados, ou não. Limitarmo-nos a seguir o socialmente correcto é simplesmente anularmo-nos como pessoas, como indivíduos únicos com capacidade opinativa, passiveis de erros, imperfeitos, mas quase perfeitos nessa relação positiva com o mundo, com os outros.
Se quero, ninguém tem nada a dizer. Se não quero, ninguém tem que concordar, só porque sim. Cada um sabe de si, diz o povo, no entanto, somos julgados diariamente pelas nossas escolhas e pelos passos que damos na vida, apenas porque não fica bem ou não é muito normal. Isto é preocupante e é, sobretudo, esta forma de pensar da grande maioria do povo português que faz com que andemos atrelados a um desenvolvimento social tão precário. Com muita pena.
10 comentários:
Tenho cada vez mais para mim que o "correcto" é uma definição cada vez mais subjectiva, no entanto é cada vez mais espartilhada entre normas e supostos modos de estar sociais. Há muita gente que quer quebrar essas normas e muitos quebram, contudo poucos são aqueles que aceitam, mesmo fazendo o mesmo, quando os outros quebram essas normas.
Isso é cada vez mais evidente conforme cresço e me deparo com novos mundos. O socialmente correcto é tão subjectivo. O pior de tudo é ser considerado por muitos como o modelo de perfeição a seguir, o que nos faz desviar da essência de quem realmente somos.
Teremos aqui mais uma emocionalmente saudável comparativamente à maioria?
Parece-me que sim.
Sabes cada vez sinto mais que para estarmos integrados na sociedade temos de nos fazer de burros, fazer de conta que acreditamos nas mentiras dos outros, fazer de conta que somos infelizes para não sermos alvos de invejas, enfim, é tudo um jogo hipócrita do "faz-de-conta". Gostei muito do teu blogue :) beijinho
Ter de corresponder às expectativas dos outros é destrutível...eu por mim falo.
É que apetece tantas vezes berrar a quem proclama e defende o politicamente correcto, a quem tem a mania que nunca vai errar e que faz o que deve ser feito... Pois bem, a essa gente deixo um recado. Não se enganem... mais cedo ou mais tarde acabarão por provar o veneno e terão que dar o braço a torcer em situações que antes julgaram e abominaram. Eu já fui uma dessas pessoas. Eu já me envenenei... e ainda bem que isso aconteceu. Hoje sinto-me mais pessoa, mais tolerante, mais humana. Estou atenta aos problemas dos que me são queridos de uma forma mais humilde. Não julgo, antes tento entender as razões... Porque não há uma só forma de viver. Há pessoas e situações. Há inesperados e imbróglios criados da vivência conjunta. Calem-se as bocas que falam e julgam só a seu belo prazer. Encontrem-se os perdidos. Mas deixemo-nos de usar vendas, achando que somos perfeitos...Ainda bem que segui o politicamente incorrecto. Pelo menos livre sou ;) *
Este texto é assustadoramente descritivo da realidade. E bom, também é muito bom.
Já há muito tempo que não lia um post que fosse tão verdaeiro, tão bem escrito e com o qual me identificasse tanto. Obrigada ;) Será pedir muito fazer uma referência a ele no meu blog?
É exactamento isto...(re)li-me. Quase poderia ter sido escrito por mim. :)
na revista francesa psychologies deste mês de Outubro há uma crónica chama le prix de la reconnaissance, escrito por um senhor chamado David Servan-Schreiber (deve ficar disponível mais tarde aqui http://www.psychologies.com/recherche/tag/schreiber/psycho_article/1
)
diz ele que conheceu um tibetano órfão desde os 8 anos que vive refugiado num campo de tibetanos na Índia. e que o tipo estudou 2 anos nos EUA e só aí soube o que era o stress.
explica que isto está baseado na certeza de que, depois de satisfeitas as necessidades básicas, e tirando o amor romântico e a sexualidade, a nossa maior necessidade é de sermos aceites e reconhecidos por quem nos rodeia. temos por isso de observar os outros, para nos aproximarmos do seu estilo de vida, seja ele qual for.
o tibetano dizia que os americanos estavam sempre apressados, nunca nada do que faziam era suficiente, era preciso correr sempre do mais e melhor e do tempo que já passou. e que isso sim o stressou, não a vida árdua que teve.
resume o autor que, felizmente, são já uns quantos que, no ocidente, começam a aperceber-se de que a verdadeira riqueza se mede na qualidade dos nosso relacionamentos humanos.
Enviar um comentário