terça-feira, 18 de novembro de 2008

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Gosto de medicina mas o lado que mais me atrai nessa área para além de toda a complexidade da ciência em questão, é o humanismo de que os médicos são capazes. Simplesmente porque acho que é louvável e essencial que assim seja.
Quando vou ao médico gosto de saber os pormenores todos do que tenho, faço perguntas, analiso minuciosamente os dados das análises clinicas, sei que a creatinina esta relacionada com o funcionamento dos rins e esse dado é aquele que procuro em primeiro lugar devido ao meu "problema" de saúde. Gosto que os médicos falem comigo e me olhem nos olhos e é por isso que vou ao Dr. Oliveira Costa, antigo médico de medicina interna do IPO, já reformado, mas ainda a dar consultas no seu consultório. Por vezes saio de lá às dez da noite - ele ouve-me, responde-me, aconselha-me, pergunta pelos meus meninos na escola e claro, faz uma consulta como deve ser. Não saio de lá curada mas sinto-me melhor interiormente.

Aos dezoito anos entrei em enfermagem, um bocadinho influenciada pelos meus pais mas também por gostar desta área - a medicina. Quando fui à faculdade e comecei a ler os planos de curso nas paredes, tive medo e entrei em pânico. Disse para mim mesma que nunca seria capaz; cheguei a casa, menti aos meus pais e disse que não tinha entrado.

(shame on me)

Nunca me arrependi. Mais tarde fui voluntária na Pediatria do IPO e vivi uma realidade da qual nunca me tinha apercebido. Médicos e enfermeiros nem sempre mostram o que lhes vai na alma e na altura, embora questionasse se aquela forma de estar seria a mais correcta, apercebi-me que tinha mesmo de ser assim ou nunca conseguiriam manter a sanidade mental necessária para acompanhar doentes tão especiais como são as crianças com cancro. Ainda assim, o humanismo estava lá, nos quartos, um bocadinho camuflado por gestos repetitivos, essenciais - no cuidado a medir uma febre, a dar uma injecção, a fazer um exame. Nas palavras que diziam baixinho. Nós, os voluntários, fazíamos o nosso papel - a brincadeira, os abraços (com cuidado por causa dos catéteres), os risos, a partilha, as conversas, os jogos - movíamos mundos e fundos para deixar aquelas crianças mais felizes (foi lá que aprendi a jogar Uno). Depois apareciam os dias maus - os dias em que morria uma criança, em que se ouviam os gritos dos pais, o desespero dos familiares, em que se via a tristeza nos olhos de toda a equipa médica. A nossa tristeza também. Oito meses depois, saí. Emocionalmente foi uma experiência muito forte, foi difícil digerir tudo aquilo, separar as águas, foi difícil não chorar.

Talvez gostasse de ter sido médica. Mas continuo a dizer que não seria capaz.

5 comentários:

Pepita Chocolate disse...

Eu também desisti do seguir o curso de medicina por não me achar capaz.
Admiro-te por teres conseguido voluntariado numa área que me sensibiliza tanto...
è preciso ter-se um grande coração e uma coragem ainda maior.

São essas situações que povoam o IPO, que nos fazem sentir tão pequeninos...

aespumadosdias disse...

É preciso ter vocação. Há para aí alguns médicos.
Incomoda-me tanto quando alguns dos meus alunos têm a tara que querem ir para medicina. Podiam ser tantas outras coisas...

Anónimo disse...

Post muito interessante. Parabéns. Vou ver se respondo com mais calma a todos os pontos em que falas. Beijinhos

3Picuinhas disse...

Agora percebo o teu amor pelos meninos. Eu fui operada no IPO e cada vez que lá tinha de passar pelo piso infantil. E tinha medo, um medo horrível quando via um adulto perdido, encostado a uma parede a olhar o vazio. Lembro-me que cada vez que o elevador abria as portas naquele piso de me encostar à parede do fundo e fechar os olhos com força e de pedir baixinho "força" para engolir o medo e sair porta fora a abraçar tudo quanto fosse gente sozinha de olhar perdido... nunca tive coragem.

JC disse...

Cheguei via refogado, e gostei de ler. Voltarei!