terça-feira, 18 de setembro de 2007

Pensem, pensem!

Não vi o debate de ontem, mas passei hoje por alguns blogs se indignaram pelo facto da ministra ter comentado que há demasiadas retenções de alunos no 2º ano.
Penso que Sra. Ministra não se se referiu a este assunto do mesmo modo que eu o vou abordar e nem quis justificar a afirmação que fez nos mesmos suportes que vou aqui apresentar. Mas, penso que seja pertinente dizer que os professores não podem lavar as mãos do facto de haver insucesso nos alunos e, consequentemente, retenções.

Eu explico.
Não estou a querer dizer que sejamos os "culpados" dessa realidade. Sabemos que há demasiadas variáveis que de forma indirecta ou directa, influenciam a evolução do aluno: a não obrigatoriedade de frequência do jardim-de-infância, o nível cultural do meio sócio-familiar das crianças, a sua personalidade, a existência de famílias destruturadas... tudo isto são factores que, de uma maneira ou de outra, vão criar melhores ou piores condições para a aquisição das competências básicas à transição de um aluno ao 3º ano de escolaridade.

Mas agora vejamos... no processo de ensino-aprendizagem há uma outra variável que a maior parte das pessoas (e dos professores) se esquece, que é a avaliação. Uma avaliação integrada no processo de ensino-aprendizagem é meio caminho andado para o sucesso dos alunos, ou, pelo
menos, para a possibilidade de haver um maior sucesso.
E quando falo em avaliação, refiro-me principalmente à avaliação formativa, àquela que todos nós dizemos que praticamos na sala de aula mas que, no fundo, quase nunca é aplicada ou então, de uma forma tão ténue que nem se dá por ela.

E o que é isso de avaliação formativa?

(perdoem-me, mas vou usar parte dos meus escritos da tese de mestrado)

A avaliação realmente formativa destaca-se por ser uma avaliação formativa de inspiração cognitivista. Há uma concepção ampla dos vários domínios do currículo, havendo um foco predominante nos processos cognitivos dos alunos, como a metacognição, a auto-regulação, a auto-avaliação e o auto-controlo e nos procedimentos, como as tarefas e o feedback. Consequentemente, é uma avaliação que possui critérios bem definidos e onde o envolvimento dos alunos é crucial (Gipps e Stobart, 2003; Fernandes, 2005).
Pode-se concluir que este tipo de avaliação envolve directamente ambos os actores no processo de ensino-aprendizagem-avaliação. Por um lado, o papel do professor é crucial na medida em que deve seleccionar as tarefas mais adequadas e fornecer um feedback de boa qualidade, por outro lado, os alunos também possuem um papel importante pois têm a possibilidade de regular as suas aprendizagens. Há uma interacção e articulação entre estes actores e os procedimentos de cada um deles, tornando esta avaliação numa avaliação dinâmica, funcional, colaborativa, contextualizada e reguladora. É uma avaliação que contrasta com a avaliação sumativa não só por todas estas características enunciadas mas também pelo facto do professor não ser o único actor/participante do processo avaliativo e partilhar responsabilidades com os seus alunos.

A meu ver há assim três factores-chave para a implementação da avaliação formativa alternativa nas salas de aula: a selecção de tarefas e o feedback, por parte do professor e a regulação das aprendizagens, por parte dos alunos. Como acima referi, são processos interligados e que dependem em maior ou menor grau uns dos outros e parece-me que falhando um destes factores, não se pode afirmar a existência plena de avaliação alternativa.

E o que quero eu dizer com isto?

Que mudar as práticas de avaliação é dar um passo de gigante no sentido do sucesso dos alunos. É proporcionar-lhes melhores condições para o sucesso, é garantir a igualdade de oportunidades para todos os alunos.
Claro que vão existir sempre retenções, haverá sempre alunos que não terão as competências esperadas para a sua transição ao ano seguinte. De qualquer forma, a responsabilidade que nos cabe a nós, professores, não deve ser esquecida e mudar as práticas de avaliação é algo que só está ao nosso alcance. Não está ao alcance de Ministros ou Secretários de Estado da Educação, é um trabalho de sala de aula, realizável com os recursos que possuímos, com a vontade em mudar para melhor, para bem dos alunos.

Parece utópico? Não é, acreditem.

[E quem estiver interessado em saber mais, leia isto e isto.]

6 comentários:

Hugo disse...

Concordo em muito, discordo nalguns aspectos residuais. Mas o principal é que as politicas educativas, e as da avaliação, deveriam ser feitas por nós que estamos no terreno, e não por decreto como por vezes as recebemos.

Mas esta "discussão" faz-me lembrar as minhas discussões sobre o uso de portáteis na sala de aula, ou a real integração das TIC desde o 1.º Ciclo.
"Parece utópico? Não é, acreditem."
;-)

manuel cabeça disse...

bela peça, elucidativa de um pensar a educação numa das suas mais importantes e determinates variáveis, a da avaliação - que acaba por ser de todos, com todos e todos envolver, directa ou indirectamente;
acrescento um pormenor ao teu raciocínio e às tuas preocupações; no contexto da auto-regulação das apendizagens o portefólio adquire uma dimensão insubstituível, mesmo no aspecto da regulação parental;
como presumo que este ano vá ser de fricção, entre uma teoria e uma realidade, entre o pensar e o agir, entre as conversas de uns e de outros;
bom trabalho;

LadyBird disse...

Obrigada por expores uma perspectiva diferente, e deste modo, tornar mais abrangente o meu conhecimento sobre este tema.

Kitty Fane disse...

Não vi o debate por uma simples razão: não me quero irritar com o que a ministra diz. Sim, porque basta ela abrir a boca para me encher de urticária.

Quanto às retenções dos alunos no 2ºano, o que ela provavelmente não referiu é que do 1º para o 2º ano (antigas 1ª e 2ªclasses) os alunos não podem ficar retidos de maneira nenhuma. Isto quer dizer que há alunos a transitarem para o 2ºano sem estarem aptos a isso, porque a lei assim obriga. É natural, portanto, que a maior percentagem de retenções se verifique no 2ºano.

Mas enquanto não se perceber que a melhor medida para acabar com o insucesso escolar é reduzir o número de alunos por turma, não se caminha para lado nenhum.

IandU disse...

gostei do teu longo e interessante post!
Acho que deve haver sim outras regras de avaliação do que as que estão em vigor, dar maior possibilidade aos alunos de demonstrarem os seus conhecimentos, no entanto acho que essas regras devem já estar implícitas nos "Ministros ou Secretários de Estado da Educação", podendo os professores fazerem os seus ajustes de modo a aproveitar a capacidade dos alunos, que por vezes não são avaliadas!
É de notar, que não se passa no 1º Ciclo como também nos ciclos subsequentes.

Gostei ;)

Sofia Quintela disse...

Pois quantas e quantas vezes a realidade da sala de aula, são fichas atrás de fichas, atrás de fichas, sempre tudo fa mesma forma, sempre tudo muito igaul, desinteressnate aos olhos deles, e eu já vi tanta coisa passar-me pela frente, coisas inacreditáveis. Não sei como vou ser daqui a uns anos quando já estiver mais saturada do ensino mas por enquanto tenho a minha consciência tranquila que só não dou mais porque não posso!!!